quinta-feira, 21 de maio de 2009

Encontros-Ponte de Lima

Em 2 de Maio passado, estava um daqueles dias lindos de Maio em Ponte do Lima a anunciar a Primavera.
Transparente e quente, parecia que a natureza nos queria acompanhar na alegria que iríamos em breve ter ao reencontrarmos velhos amigos com quem há 37 anos convivemos bem de perto durante largo tempo em África, na longínqua Guiné.
Tinha sido o dia escolhido para mais um reencontro informal.
Desta vez iriam estar presentes o Barroso, o Lima Rodrigues, o Evaristo, o Basto,o António Alfredo (o Doc), o António Silva e a Cristina, a nossa querida Cristina que, com 19 anos na altura, enfrentou corajosamente o isolamento e o perigos da guerra no Xitole. Espírito aventureiro próprio de quem é jovem, por lá permaneceu na companhia do seu companheiro na altura e nosso camarada. o Carlos Fernandes.
Estivemos todos a almoçar no "Açude" onde se come divinamente e depois, aproveitando o belíssimo dia, passeou-se pela margem direita do Rio Lima e sobretudo conversou-se muito.
Só foi pena a falta de outros camaradas que habitualmente marcam presença nestes encontros informais e que por razões diversas não puderam estar presentes.
Aqui fica a reportagem fotográfica:
Ponte do Lima num dia de sol esplêndido
O Casal António Barroso e Virgínia A Cristina Botelho em primeiro plano seguida do Lima Rodrigues e do António Alfredo
O Evaristo, a esposa o António Silva a esposa Albina e a Fernanda Basto
O António Alfredo, o Lima Rodrigues, a Cristina a Virgínia e Barroso
O Grupo a posar para a posteridade
Um passeio para ajudar a digestão na ponte velha de Ponte do Lima
O grupo encabeçado pelo Lima Rodrigues que briosamente comandava o pelotão como era hábito já
A Cristina à esquerda e o restante grupo a passear
A Fernanda Basto e a Albina Silva
A Cristina e a Virgínia Barroso

Uma memória, uma emoção, uma gratidão.

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. Quando eu era menino, aliás mesmo já antes de eu nascer, vivia em casa dos meus pais, uma senhora, sim uma senhora, que tendo sido empregada em casa dos meus avós paternos, (que nem a minha mãe os conheceu pois morreram no principio do século xx, com o surto, salvo o erro, da pneumónica), nunca saiu de perto do meu pai, ficando assim a viver lá em casa.
Mais velha do que o meu pai, (que nasceu em 1899), nunca quis deixar de trabalhar e assim tratava sobretudo da capoeira e, lembro-me bem, era quem embebedava o peru para o Natal.
Era carinhosamente tratada por Ti Pedrosa, e recebia sempre dois beijos de cada um de nós, meninos estudantes em Lisboa, sempre que regressávamos a Monte Real para os diversos períodos de férias.
Era família, tão família como qualquer avó muito querida, e que, mesmo tendo um pouco de seu, e mesmo depois dos sobrinhos da Argentina a quererem vir buscar, nunca quis sair de nossa casa, pois era ali que era a sua casa, a sua família.
De quando em vez fugia-lhe a palavra para o antigamente e tratava o meu pai por menino Olympio, numa ternura incapaz de aqui reproduzir, sobretudo por ver aquele homem grande enternecido por aquele tratamento tão íntimo.
Neste momento, já perguntam os meus camarigos o que é que tudo isto tem a ver com a Guiné!
Perguntam, porque já não temos a mesma paciência que ela tinha em esperar pelas férias, para ver como tinham crescido os seus meninos e quase obrigar as galinhas a porem os ovos amarelinhos, (que agora já não existem), para nós comermos estrelados em azeite, numa frigideira tão velha que já tinha a gordura “incorporada”.
Pois nos idos do mês de Abril de 1972, (mais para a frente ou mais para trás do dia 6, data do meu aniversário), recebi no Xitole uma carta, cujo envelope escrito com caligrafia vacilante, tinha inscrito no remetente: Ti Pedrosa – Monte Real.
A letra não era dela, que não sabia escrever, mas de outra empregada que a seu pedido me dava os parabéns pelos meus 23 anos e servia de cobertura a uma nota de 20$00, para eu comprar o meu presente.
Calculam como o meu coração, já de si tão mole e sensível, enviou aos meus olhos a ordem para, com uma qualquer água, afastar o pó da Guiné e lubrificar a minha vista.
Claro que aquilo não era lágrimas, eram apenas os meus olhos a protestarem pela luz tão intensa da Guiné.
Foi um oásis de ternura, na brutalidade da guerra.
Mais tarde, uns meses mais tarde, julgo que ainda na Guiné, recebi outra carta, agora com a letra redonda e bem tratada da minha mãe, que me enviava, a pedido da Ti Pedrosa, uma fotografia sua, tirada nos seus oitenta ou noventa anos, que infelizmente a memória já não me deixa lembrar com precisão.
Dizia a minha mãe que a Ti Pedrosa tinha feito questão de tal envio e de que me dissesse da sua grande preocupação que o “benjamim” da família andasse por terras tão estranhas, a fazer coisas tão perigosas.
Que me cuidasse muito, tivesse cuidado com as temperaturas e que voltasse depressa e bem.
E porquê esta história agora?
Porque hoje tive uma insónia povoada de sonhos amargos, coisas da Guiné, e no meio da perturbação, da agitação, veio ao meu pensamento, (ou seria ao coração?), a imagem, a lembrança da Ti Pedrosa que lá no Alto olha por mim, tanto que pouco depois adormeci calmamente.
Claro que não podia deixar de lhe fazer esta homenagem, contando os seus gestos de ternura, que tanto amenizaram durante uns tempos, a dureza da minha vida na Guiné.
No meio das emboscadas, das minas, dos tiros, das dores, dos horrores, das horas amargas que aqui na Tabanca se vão desfiando, deixo-vos esta lágrima de amor, esta gota de ternura, este gesto de carinho, esta memória, esta emoção, esta gratidão.
Abraço-vos fortemente, meus camarigos, com um sorriso nos lábios, porque no peito de todos os combatentes, dos ex-combatentes, endurecidos pela guerra, empedernidos pela morte, ainda bate um coração sensível, que se alegra e enternece com os gestos de carinho, de amor, daqueles que por cá penaram a nossa estadia na Guiné.
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Monte Real, 20 de Maio de 2009
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Coloco aqui esta história verdadeira, claro, que foi publicada no blogue a que chamamos Tabanca Grande, porque foi passada quando estava no Xitole.
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