domingo, 21 de dezembro de 2008

BOAS FESTAS (Natais Diferentes)

Foi assim em 1972 o nosso segundo Natal na Guiné, longe de casa e dos nossos: calor, medo (os "turras" ficavam particularmente activos nesta época), muita camaradagem e sobretudo muita saudade.
Um grande hip.. hip.. hurra... a nós todos que, 36 anos depois continuamos a comemorar o Natal, cada um à sua maneira mas sempre, sempre, com muito amor e fraternidade.
Neste momento especial um abraço fraterno a todos e votos de Feliz Natal.
Álvaro Basto

sábado, 20 de dezembro de 2008

Boas Festas

«E o amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida.» 1 Jo 4,9
Meus amigos e camaradas de armas
Podemos viver o Natal de muitas maneiras, mas a verdade é que o Natal existe porque se comemora, ou melhor, se faz memorial do Nascimento de Cristo, Filho de Deus, no meio dos homens, como Homem igual a nós em tudo, excepto no pecado.
Podemos acreditar, ou até não acreditar, mas quer queiramos quer não, todos entendemos o Natal, como uma festa da família e como festa da família que é, uma festa de amor.
Sem medo das palavras hoje em dia tão mal utilizadas, é isso que agora vos quero deixar ... o amor!
O amor a vós e a todos os homens de boa vontade, e até àqueles que não têm boa vontade.
O amor aos que nos combateram e aos que connosco combateram.
O amor aos que concordam connosco e o amor aos que de nós discordam.
O amor aos que nos perdoam e àqueles que nós perdoamos, àqueles a quem pedimos perdão e até àqueles que não nos conseguem perdoar e aos que temos dificuldades de perdoar.
O amor a todos sem excepção, porque só assim se pode entender o Natal.
Neste Natal desejo sobretudo a todos vós, homens de rija têmpera que souberam combater, que souberam abraçar, que souberam viver a amizade daqueles que entregam a própria vida pela vida dos outros, que saibamos dar testemunho de solidariedade, de fraternidade, de “entreajuda”, neste mundo egoísta que se fecha cada vez mais em si próprio
Que o bom Deus em quem acredito com toda a força do meu ser, vos abençoe na paz, na alegria, na abundância de vida.
Abraço muito amigo do
Joaquim Mexia Alves

Boas Festas

O Luis Dias, ex-Alferes da Companhia do Dulombi, Batalhão do Galomaro, e que criou o blogue

HISTÓRIAS DA GUINÉ 71-74 - A C.CAC 3491-DULOMBI

Enviou-nos também os votos de Boas Festas num cartão que eu, por “nabisse”, não consigo aqui colocar.

Boas Festas

. Votos de Feliz Natal e Bom 2009

Os votos do Lima Rodrigues

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Fotos do almoço CART 3492 - Realizado em Monte Real

Nesta foto, estão à esquerda o David Guimarães,
da Companhia que rendemos e a seu lado o José Zeferino
da Companhia que nos rendeu, e o Álvaro Basto,
Fur. Enfermeiro da 3492, que lhes está a tratar
da saúde. A Senhora não consigo identificar.
Meus caros
Embora com algum atraso, cá vão mais umas fotos do nosso almoço em Monte Real, realizado no passado dia 25 de Outubro.
Soberbamente organizado pelo nosso camarada Mexia Alves.
Abraço para todos.
Artur Soares

Almoço da CART 3492 - Agradecimento

O David Guimarães e o António Barroso uma fotografia
"sacada" num "golpe de mão" à Tabanca Grande,
à qual agradecemos não nos ter perseguido nas matas da net.
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Amigos
Comento neste espaço o almoço com a gratidão de um camarada mais antigo mas que se sentiu tão bem no vosso meio...
Nada acontece por acaso e a ideia que tiveram foi óptima - nesse almoço, esteve a vc convite, representado o "antes" e o "pós" vossa comissão - quer dizer simbolicamente esteve a Companhia anterior, a que eu pertencia e que fizeram o favor de me substituir (obrigatoriamente - e um representante da outra Unidade que vos substituiu) - acho que isso é uma coisa óptima. Afinal o Xitole estava aqui representado em 4 anos e ate ao fim da guerra da Guiné...
Em tempo vai o meu agradecimento por me terem convidado, não se esqueçam para o ano, e mais ainda vai a minha gratidão para a organização e toda a companhia afinal que tão bem me recebeu, o que eu nada estranhei naturalmente..
Um abraço,
David
________________
Agradecimento deixado pelo David Guimarães, pelo convite e presença no nosso almoço.
David, já estás convidado para o ano e para todos os anos e obrigado por teres vindo almoçar connosco.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

E A TRADIÇÃO FOI CUMPRIDA

No passado dia 25 de Outubro foi mais uma vez cumprida a tradição.
34 Camaradas que entre 1971 e 1974 partilharam a sua vida de uma forma tão "especial" no Xitole no leste da Guiné, juntaram-se com os seus familiares mais chegados (eramos 72 ao todo) num magnífico almoço convívio, exemplarmente organizado uma vez mais pelo nosso querido camarada Mexia Alves.
Salientamos com muito agrado a presença de um representante da Companhia que fomos render em 71, o nosso querido David Guimarães e de um representante da Companhia que em 1974 nos rendeu, o camarada e amigo Zeferino.
Aqui vão algumas imagens do evento para que se perpetue no tempo esta mais que longa amizade.
Alvaro Basto

domingo, 26 de outubro de 2008

Para além da amizade...

Este texto que hoje escrevo provavelmente poderá dizer pouco a muitos daqueles que visitam este espaço, não só porque a sua idade, (julgo que mais nova do que a minha), os distancia dos factos que provocam esta escrita, como também por ser assunto que normalmente não ocorre ao pensamento das pessoas, por dele estarem afastadas, por não o terem vivido.
Hoje tenho um almoço que reúne cerca de 40 homens que juntos, integrados na mesma Companhia, partiram no dia 21 de Dezembro de 1971, a bordo do navio Niassa, para uma comissão militar na Guiné.
Irei, já sei, rever alguns que já não vejo há 36 anos e que no entanto estão indelevelmente marcados na minha memória, na minha vida.
Enquanto escrevo este texto, sinto uma emoção profunda, um quase sentimento de saudade inexplicável, que, julgo eu, vem daquilo que nos une e está muitas vezes para além da compreensão humana.
Nunca, em momento algum, atrevo-me a dizê-lo, se formam ligações tão profundas, tão enraizadas, que vão para além da amizade como normalmente a concebemos, como nos tempos de provação, de dificuldade, de medo, (sim de medo), por que passam aqueles que juntos fazem ou têm de fazer uma guerra.
Não é logicamente isso que faz da guerra uma coisa boa, porque a guerra é sempre um mal que deve ser evitado a todo o custo.
Mas a verdade é que aqueles que estão juntos numa guerra, longe de casa e dos seus, percebem que a sua ligação vai muito para além da normal camaradagem, da sã amizade, pois implica uma entrega constante da vida de cada um, nas mãos do outro, dos outros, que estão ao nosso lado e vivem connosco as dores, os sofrimentos, que “cheiram” em nós o suor do medo, que também a eles lhes sai dos poros e sabem que nós o “sentimos”.
E é assim que passados muitos anos, às vezes sem nos vermos, o abraço é sincero, forte, acolhedor de parte a parte, como se disséssemos uns aos outros: «Tu é que me percebes. Achega-te a mim que eu é que te entendo!»
Mas tem mais um sentimento ainda, pelo menos nesta guerra que vivemos em África. É que aqueles que combateram dignamente contra nós, são agora também nossos camaradas de armas e não lhes guardamos qualquer rancor, mas pelo contrário, irmanamo-nos nos sentimentos e encontramos até em nós uma vontade de ajudar a construir os países por que lutaram e onde lutámos.
Mas há sempre um “amargo de boca”, para ser benigno na expressão! E este “amargo de boca” vem do facto do nosso país não ter um comportamento digno para com aqueles que por ele combateram, com ou sem razão, obrigados ou não.
Não me refiro obviamente tanto àqueles que graças a Deus estão bem, mas a tantos que continuam a viver no dia a dia os reflexos da guerra, que não dormem como os outros, que não têm estabilidade emocional, que foram desestruturados pela guerra, e a quem ninguém acode a não ser os familiares e amigos.
E há bastantes, sabemo-lo bem, que vivem sem abrigo e o Estado nada faz.
Conheço deles que têm processos há dezenas de anos para obterem um qualquer subsídio que lhes permita fazer face à instabilidade emocional, que não lhes permite ter um emprego estável, e continuam a fazer-se perguntas burocráticas para que nada se resolva.
Outro “amargo de boca”, que me toca especialmente porque também os comandei, foi o abandono a que Portugal votou aqueles que, naturais desses novos países, pertenceram às Forças Armadas Portuguesas. Abandonados à sua sorte, muitos foram fuzilados sem qualquer justificação, e outros vivem ao “Deus dará”.
Também os nossos mortos que por lá continuam, se exige ao nosso país que os traga de volta à terra que os viu partir, e às famílias que querem finalmente encerrar esse doloroso capítulo das suas vidas.
Perdoem-me o desabafo, mas hoje tinha de escrever sobre eles, cidadãos anónimos que deram parte das suas vidas por Portugal, e se sentem hoje e ainda tão desprezados e ostracizados.
Mas eu orgulho-me deles, e orgulho-me com eles, e hoje vamos abraçarmo-nos, vamos rir e cantar, vamos olharmo-nos nos olhos e dizermos uns aos outros:«Tu é que me percebes. Achega-te a mim que eu é que te entendo!»
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Texto que escrevi para colocar num espaço da net, onde colaboro semanalmente.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Almoço CART 3492 - 2008

Está finalmente decidido o local e data do almoço da nossa companhia CART 3492 em 2008.
Tudo teve de ser alterado, não só o local em primeiro lugar escolhido, porque o espaço já estava ocupado, bem como a data, por dificuldades "logísticas" o que a alguns até veio dar muito jeito.
Então o almoço será em:
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Pensão Montanha - Monte Real, no dia 25 de Outubro.
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O almoço será constituído por:
Entradas: Morcela, lentriscas, etc
Sopa
Bacalhau
Carne de porco à alentejana
Sobremesa com doce
Vinho
Café
Preço do almoço por pessoa: 16,00€
Dormida sem pequeno almoço, para casal: 20,00€
Dormida sem pequeno almoço, para uma pessoa: 17,00€
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Para quem veio o ano passado é no mesmo sítio, não tem que enganar!
Para quem vem a primeira vez, o modo de chegar é a A17 que sai da Marinha Grande, (continuação da A8) e vai até Aveiro e vice versa.
Tem uma saída mesmo em Monte Real (2Kms), pelo que não tem que enganar também!
O ponto de encontro será no parque das Termas de Monte Real, ao fundo da Avenida junto aos Balneários, a partir das 12 horas, (meio dia), e o almoço será a partir das 13 horas.
Este ano devemos contar com a presença de camaradas da Companhia que fomos substituir, CART 2716 e da que nos substituiu 2ª CCaç do BCaç 4616.
Marcações para o almoço e possível estadia para a noite, (por causa dos copos), podem contactar o Álvaro Basto - 965031310, ou Joaquim Mexia Alves - 962108509.
Está tudo mobilizado para esta operação de alto risco e importância, visto que todos somos necessários para que a operação corra bem.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Almoço Anual de Confraternização

Está a pensar-se este ano e à semelhança do ano passado, organizar um novo almoço de confraternização para nos revermos todos.
Seria no dia 4 de Outubro (sábado) e segundo sugestão do Barata na Quinta de Santa Teresinha em Cernache de Bom Jardim, local muito bonito e central.
Temos de nos "mobilizar" todos no sentido de contactarmos o maior numero possivel de camaradas quer pelas moradas quer pelos respectivos telemóveis.
Espero a colaboração de todos.
Pormenores sobre o local irão ser aqui editados em breve...
Estejam atentos.
Alvaro Basto

terça-feira, 29 de julho de 2008

REENCONTROS

Meus caros camaradas Há dias recebi um email que deixou deveras satisfeito. Não resisto a partilha-lo convosco.
Reproduzo-o aqui:
'Meu furriel',como e que estas? 35 anos se passaram desde o nosso'convivio' no Xitole. Guardo boas memorias desse tempo. Vim para a Australia com a familia em 1985,long time ago.E um bonito pais, com muitas oportunidades. Reformei-me este ano.E uma boa altura porque vou ser avo very soon. Tenho ido a Portugal a few times, e penso ir la no proximo ano. Uma das coisas que eu gostaria de participar,era nessas reunioes com o pessoal da nossa companhia, mas para isso preciso de ser avisado com tempo e horas. Alvaro espero que tudo va correndo bem com a tua vida incluindo a familia. E ja agora aproveito para te desejar um FELIZ DIA DE ANOS.'infelizmente vamos ficando mais velhotes. Um grande abraco Arthur Pereirap.s. numa das photos estou eu no meio,o Victor, o Bicho e o nosso amigo cantineiro, o Moreira
Lembram-se dele? O "nosso" Artur "pastilhas"
Aqui vão as fotos que ele mandou.
Era excelente que ele pudesse vir cá em 5 de Outubro próximo mas a Austrália é de facto muito longe. A ver vamos.
Alvaro Basto

quinta-feira, 3 de julho de 2008

O regresso e os primeiros tempos...

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Sei lá quando, já não me lembro, mas deve ter sido nos meados de Dezembro de 1973, que me disseram em Mansoa:
«Prepara-te, vais para Bissau para embarcares para a Metrópole.»
Parecia assim uma coisa irreal!
Agora que o cacimbo tomava conta de mim totalmente, agora que tanto me fazia ser de noite ou de dia, estar no quartel ou no mato, é que me diziam para eu me ir embora.
Fiquei a pensar no assunto e tive uma certeza:
Tinha de estar muito apanhado do clima para a coisa não se transformar em euforia!
Lá pelos vinte dias de Dezembro, julgo eu, vim então com uma mala pequena, para Bissau.
Tanto tempo, dois anos e nada para trazer!
O whisky tinha-o bebido, (que assim não se estragava de certeza), as fotografias, as que tinham sobrado de uma fúria que me tinha dado e me levou a rasgar não sei quantas, também vinham no saco, o camuflado, uma roupita civil e sei lá eu bem mais o quê.
Bissau, as burocracias, os últimos copos, as últimas doideiras, (tenham pena de mim que me vou embora e desculpem lá qualquer coisinha), e duas ou três tentativas falhadas de ligar para a família a dizer:
«Parto hoje chego amanhã, não se incomodem que eu também não»
Um último olhar a Bissau, à terra quente e vermelha, um último suspiro de calor, uma última experiência dos braços, pescoço e todo o corpo sentir-se todo molhado de suor, pegajoso e embarcar.
Ao menos aqui não há aquelas mosquinhas pequeninas do mato que se metem nos olhos, nos ouvidos, poisam nos braços e não levantam quando passamos a mão e ali ficam esmagadas, coladas com o suor do calor e do medo.
Avião, ar condicionado, “hospedeiras” fardadas, de barba feita, que debaixo das cuecas eram “inguais” a mim, que naquele tempo ainda a mulher não ia à tropa!
Lá em baixo vai ficando para trás a estrada de Bambadinca/Xitole, tantas vezes palmilhada, o Geba, e a travessia mil vezes repetida de sintex a remos de Mato Cão para Bambadinca, a estrada Jugudul/Portogole, causa de tantas noites em branco, vai ficando para trás o suor, as lágrimas, a revolta, o sangue e vai nascendo já, muito timidamente, uma saudade inexplicável.
E ficam também para trás os camaradas e amigos que comigo embarcaram e agora ainda têm de penar mais um pouco.
E ficam para trás os meus camaradas “toupeiras” de Mato Cão, e o bife de javali frito em banha da cobra, e as perninhas de rato cozinhadas à José Orabé.
E ficam para trás os Balantas garbosos, guerreiros do «Taque Tchife», «Agarra à mão”, dos quais me vai no coração o “gigante” In Oina Nor, que supostamente me protegia as costas e lá de baixo, na bolanha, deve olhar para o avião com os óculos de lentes amarelas, de andar no mato, que lhe deixei.
Na ida deram-me seis dias de Niassa para me ir habituando à ideia da Guiné.
Agora só me dão duas ou três horas para me ir readaptando à sociedade dita civilizada.
A coisa não vai dar certa!
Finalmente o “pássaro” aterra em Lisboa.
Que tristeza, toda a gente dá abraços, beijos, palmadas nas costas, lágrimas, e eu para ali sozinho, perdido, irrealmente regressado da guerra.
Um camarada da guerra, que não me lembro se já conhecia, ou se foi conhecimento a bordo, percebe a minha desorientação, ou por já lhe ter dito que não tinha lá ninguém à espera, ou porque percebeu a coisa, e diz-me:
É pá, se não tens ninguém, eu peço aos meus pais e levamos-te a casa.
Eu nessa altura, ou seja antes de partir, vivia em Lisboa.
Nunca percebi porquê, mas a verdade é que tinha levado comigo a chave da casa para a Guiné e ainda estava comigo.
Aceitei de muito bom grado a oferta e fizemo-nos ao caminho.
Lembro-me vagamente de termos parado na Estalagem Terminal, logo ali na Avenida Gago Coutinho, pois era lá que os pais deste camarada tinham ficado hospedados e de eu tentar telefonar para casa sem ninguém me atender.
E chegámos finalmente à Rodrigo da Fonseca, rua da minha infância e adolescência, despedimo-nos com agradecimentos e juras de nos reencontrarmos, e toquei à porta na esperança que abrissem e eu fosse preparando caminho para evitar “cheliques”, desmaios, etc, etc.
Tal não aconteceu, e assim fui subindo de elevador até ao quarto andar e, com algum receio, meti a chave à porta e abrindo-a gritei:
Sou eu, o Joaquim, já cheguei da Guiné, não se assustem!
Respondeu-me o silêncio, um insuportável e profundo silêncio!
A casa não tinha aspecto de ter vida naquele momento e então fez-se luz no meu espírito!
Era dia 21 de Dezembro e por isso a família já estava em Monte Real para passar o Natal. Fiquei mais aliviado.
Pousei a mala e fui direito ao telefone, para ligar para casa dos meus pais em Monte Real.
Atendeu um irmão meu:
Está lá. Quem fala?
Respondi:
É o Joaquim!
Resposta pronta:
Ó meu filho da p…, vai pró c…, o meu irmão está na guerra da Guiné e tu a gozares! Vai pró c…
E “tunga”, desligou-me o telefone nas trombas!
Liguei outra vez, e muito rápido disse logo para não desligar, que era eu mesmo e que dava provas disso, etc e tal.
Depois de convencido lá falámos um pouco, porque é eu não tinha avisado e enfim e “assim e andando”. Disse-lhe para me virem buscar a Lisboa e ele disse que já me ligava.
Isto ao que me lembro era assim já lá para as nove horas da noite, ou coisa parecida.
Pouco tempo depois disse-me que me vinham buscar, mas não era já, para eu descansar um pouco, que lá para a meia noite, uma hora estariam em Lisboa.
Não percebi muito bem porquê, porque é que não vinham logo, mas borrifei no assunto.
Mas qual descansar qual quê!
A excitação de estar em Lisboa, mais a fome e sobretudo a sede de uma imperial como deve ser, chamavam por mim.
Lembrei-me então que estava todo vestido de verde e que não ia para a rua fardado, era o que mais faltava!
Fui ao guarda-fatos do meu quarto procurar roupa para vestir e deparei com o dito cujo vazio!
Tinham-me levado a minha roupa toda para Monte Real, julgava eu.
Assim tive de me socorrer das jeans que trazia na mala vinda comigo da Guiné, um pólo azul claro e os respectivos sapatos.
Tinha, julgo eu, cerca de 20$00 no bolso, guardados religiosamente desde a última vinda à Metrópole, nas férias.
Saí de casa e percebi então verdadeiramente que era dia 21 de Dezembro, Inverno em Portugal e que eu estava de manga curta e com o “bronzeado” típico da tropa em África.
Não me preocupei com a coisa, mas vi nalguns rostos que se cruzavam comigo na Avenida da Liberdade, o espanto e a pergunta íntima se eu não estaria doido.
Fui direito ao Gambrinus, na Rua das Portas de Santo Antão, onde os meus amigos e o pessoal dos toiros se costumava juntar ao fim da noite, na certeza que havia de encontrar pessoal conhecido e que alguém havia de ter pena de mim e me havia dar de comer e beber.
Assim que entrei e me dirigi ao balcão, o Domingos, Chefe do Bar e que me aturava desde as minhas primeiras saídas nocturnas em Lisboa, logo percebeu o que se passava e disse-me:
Acabou de chegar da Guiné, não é? E se calhar nem tem um tostão no bolso?
Para além de me servir de imediato uma reluzente, fresquíssima e saborosa cerveja, deitou as mãos ao bolso e entregou-me dois contos de réis, dizendo-me que depois faríamos contas.
Senti-me um pouco em casa e entretanto foram chegando os amigos, foi-se fazendo a festa, bebendo umas cervejas e matando saudades.
Depois lá fomos para um bar qualquer de Lisboa, continuar a noitada, de tal modo que me esqueci que já devia ter os meus irmãos em casa à espera.
Despedi-me, meti-me num táxi e fui para casa onde os meus irmãos já dormiam nos sofás da sala.
Abraços, algumas lágrimas, recriminações por não ter avisado e metemo-nos no carro para, julgava eu, irmos direitos a Monte Real.
Claro que passado um pouco, com trepidar do carro e as últimas emoções vividas, adormeci como um “anjo” e dormi por tempo largo.
Quando acordei e olhei pela janela do carro não percebi se ainda estava a dormir e a sonhar, porque a paisagem que via na luz da aurora nada tinha a ver com Leiria, Monte Real, ou arredores.
Logo de imediato parámos numa bomba de gasolina e os meus irmãos disseram-me que o meu pai e os outros estavam à minha espera no café, ligado às bombas.
Mais abraços, mais lágrimas e a pergunta inevitável:
Mas onde é que raio nós estamos?
Desvendou-se o mistério:
Estávamos no Alto Alentejo a caminho da Castelo de Vide, onde íamos a uma batida aos coelhos!
Fiquei ali sem pensar no que dizer.
Certo é que passado pouco tempo lá estávamos preparados para a caça, (não me lembro se vesti o camuflado, ou a farda verde), e eu ainda nem passadas 24 horas de ter saído da Guiné, com uma arma na mão a olhar para a mata à minha frente.
O meu irmão João dizia-me:
Ó pá, toma cuidado que andam aí uns gajos a bater os coelhos. Não são “turras”, (que me perdoem os camaradas de armas do PAIGC), são batedores. Não dês um tiro em nenhum!
Aviso importante que retive na cabeça, pois a coisa podia dar para o torto.
Bem, durante a manhã acertei sobretudo no chão, nas árvores e em muita coisa que não coelhos, mas para a tarde já matei um ou dois, sei lá, já não me lembro.
Regressámos então a Monte Real, onde fui “apaparicado” pelas senhoras da família, com a minha mãe à frente, claro.
Nem sempre o último filho de nove irmãos tem a possibilidade de ser mimado, porque é coisa já muito vista, por isso foi um momento muito especial do meu regresso.
No outro dia de manhã, (ainda estou para saber se foi real ou sonhado), ainda a dormir ouvi umas explosões e só quando dei com as trombas na porta da cozinha percebi que não havia valas para me meter e que já não estava na Guiné mas sim em Monte Real.
Parece que teria havido uns foguetes nessa manhã, mas não se falou mais no assunto.
Regressado a Lisboa, lá me fardei pela última vez para ir ao Depósito de Adidos, acabar com a minha ligação à tropa.
À entrada, e perante a indiferença do sentinela, (que achei uma falta grave de consideração por um combatente…), dei-lhe uma “pissada” e obriguei-o a fazer um “ombro arma” como devia ser.
Entrado na Repartição que me tinham indicado, dou com um Sargento sentado, mal humorado e que me atendeu como se eu fosse uma “merda” qualquer.
Depois de algumas insistências minhas para ser atendido e uns grunhidos do dito cujo como resposta, veio ao de cima o meu lado irascível e colocando uma mão no balcão, saltei para o outro lado.
Está bom de ver que o homem deu um salto e correu para trás fazendo imensas promessas que eu iria ser despachado num ápice e que pedia muita desculpa, mas não se tinha apercebido, etc, etc.
Lá me entregaram o papelito a dizer que eu passava à disponibilidade e curiosamente não estava lá nenhum General ou politico para me agradecer os três anos dados à Nação, etc, etc, o que eu também não estava à espera, obviamente.
À saída, ainda fardado claro, o sentinela ao ver-me, fez o mais perfeito “ombro arma” da sua breve carreira militar. Ai não!!!
Bem, depois foi a inadaptação à sociedade de Lisboa.
Aquela gente vivia como se não houvesse gente a morrer na guerra, como se nada se passasse e quando eu dizia qualquer coisa acerca disso, olhavam para mim como se eu fosse um qualquer “alien” completamente desfasado da realidade.
Claro que isto não podia dar bom resultado, e as noitadas, os copos sempre em exagero, os problemas e “desaguizados” constantes, não prenunciavam nada de bom para a minha vida futura.
Os meus pais preocupados, bem como o resto da família, arranjaram uma solução que me propuseram.
Um dos meus irmãos mais velhos tinha empresas em Angola e Moçambique, e assim, se eu concordasse iria uns tempos para Angola, adaptar-me a trabalhar, a fazer algo de útil pela vida e depois logo se veria o que se seguiria, pois em Lisboa a coisa ia-se complicar e o reentrar no curso de Medicina era coisa que nem os maiores sonhadores acreditavam que eu fizesse.
Assim, passados pouco mais de dois meses de ter saído da Guiné, no dia 8 de Março de 1974, esta “praça” desembarca no aeroporto de Luanda. (É curioso que o país e a tropa complicaram como o caraças a minha ida para Angola, o que não tinha acontecido quando foi para eu ir para a Guiné. Porque é que seria????)
Aberta a porta do avião, levei com aquele calor e aquela humidade que aproximam o clima de Luanda do da Guiné, e foi quase como um regressar a “casa”.
Daqui para a frente, o clima, a sociedade, os amigos, e até, curiosamente a situação politica, ajudaram-me a encontrar um equilíbrio para poder continuar com a minha vida.
Regressei pouco antes da independência, mas já com outra vontade de viver.
A guerra passou, os tempos duros e feios também e agora dou comigo muitas vezes, como dizia no nosso encontro em Monte Real, a ter saudades da Guiné e dos tempos de camaradagem, em que os homens por força das circunstâncias, mas não só, confiavam uns nos outros e encontraram amizades para toda a vida.
Somos especiais, não tenhamos dúvidas, pois o que passámos determinou em nós um código de conduta, um “linguajar” muitas vezes apenas para nós compreensível, e uma generosidade de entrega que se revela de cada vez que é necessária.
Fazemos e faremos quer queiram quer não, os políticos e outros, parte inegável da história de Portugal.
Apenas me “morde” a consciência, o coração, aqueles que, ou deixando-se levar por promessas ou de livre e expontânea vontade, sendo da Guiné, decidiram combater connosco, servindo a nossa pátria, e acabaram abandonados pela nossa bandeira tendo sido alvo da fúria de alguns dos seus irmãos de nacionalidade.
Estes factos são uma vergonha que há-de perseguir os portugueses e um dia terão de estar inscritos na história como uma das páginas mais tristes e vergonhosas de Portugal.
A ti In Oina Nor e a tantos e todos que como tu protegeram as “nossas costas”, as “costas” de Portugal, a minha homenagem, o meu respeito, as minhas lágrimas sentidas.
Mas estou em paz, pela graça de Deus.
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Monte Real, 28 de Junho de 2008
Joaquim Mexia Alves

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Encontro anual do BART 3873

Realizou-se recentemente mais um encontro anual, desta vez na Pampilhosa do Botão, dos camaradas do BART 3873.
A Cart 3492 esteve, como de costume, muito bem representada.
Até o Brito e o Gonçalves Dias apareceram.
Ficou mais ou menos assente fazermos um encontro só da nossa companhia no dia 4 de Outubro (sábado) em local a designar mas muito provavelmente na zona de Leiria (Monte Real).
Todavia aceitam-se sugestões.
Segue o link para as fotos do encontro:

As perigosas areias movediças do Cusselinta

Salvamento "in extremis" das perigosas areias movediças do Cusselinta nas margens do Curubal e imagens das crianças do Xitole.

A aldeia cresceu muito, especialmente na sua população infantil. Foi preciso aumentar a escola que deixou a antiga casa cor-de-rosa do chefe de posto para passar para instalações novas construidas onde era a "ferrugem", o nosso depósito de armas e o posto de socorros.

Em breve seguem fotos

Divirtam-se (se puderem) a ver isto.

Alvaro Basto

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A 1ª mina do BART 3873?

No início da nossa estadia no Xitole e salvo o erro, logo na primeira coluna vinda de Bambadinca à qual a nossa Companhia montou segurança, calhou-me, a mim, e ao meu pelotão, como não podia deixar de ser, o ponto mais afastado do Xitole para montar segurança à dita cuja.
Se bem me lembro era junto a um pequeno pontão, (não me lembro do nome, Jagarajá?), pois a partir daí era terreno da Companhia de Manssambo [, a CART 3493, 1972/73].
Aí chegados enquanto colocava o pessoal na mata, os guias e picadores foram picando a estrada junto ao pontão e chamaram-me porque tinham detectado uma mina.
As penas de periquito ainda esvoaçavam por todo o lado e, cheio de sangue na guelra, decidi levantar a mina.
Mandei afastar os que estavam mais perto e lancei-me ao trabalho, não me lembrando agora se tive alguma ajuda no início.
Depois de escavar a coisa, passou-se à parte mais difícil que era desarmar o detonador, para depois, pelo sim pelo não, puxar a dita mina com uma corda, não fosse o diabo tecê-las.
A mim pareceu-me que tudo isto demorou uma eternidade, mas segundo me disseram até foi rápido. Sei que suei rios de água e não era por causa do calor.
Lembro-me de pensar em desistir a meio e rebentar com aquilo, mas o orgulho e o pensar o que é que o pessoal vai dizer, levaram-me a continuar e acabar o trabalho.
Ao que sei, foi a primeira mina levantada no Batalhão [BART 3873, Bambadinca,1972/1974).
Na minha fraca memória, vem-me à ideia que deixámos uma qualquer mensagem de ronco no sítio da mina.
Enfim, gabarolices!
Diziam que pagavam não sei o quê pelas minas levantadas, mas não me lembro de ter recebido nada.
Mais tarde e já no Pel Caç Nat 52, com o clima e outras coisas, cometia a rematada estupidez louca de ir pisando o caminho à frente do Pelotão, o que os soldados africanos muito apreciavam, só me valendo o facto de Deus nunca estar distraído.
Envio prova fotográfica do feliz evento, chamando a atenção para a qualidade da revelação da fotografia, feita num estúdio de um qualquer curioso militar no Xitole, do qual não lembro a identificação.
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Joaquim Mexia Alves
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Nota: Se esta história não está bem contada, e eu estou para aqui armado em "herói", peço que a rectifiquem, pois a memória já não é o que era.

terça-feira, 20 de maio de 2008

A minha viagem à Guiné

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Meus caros amigos e camaradas Ora aqui venho eu finalmente trazer-vos as tão anunciadas noticias sobre a minha recente (já não tão recente) viagem à Guiné de Março passado. A imagem inicial com que se fica ao atravessar-se a fronteira do Senegal com a Guiné Bissau é de puro alívio já que se chega cansado de 5 dias de estradas poeirentas e quentes e de infindáveis peripécias nas seis fronteiras que atravessamos para não falar dos incontáveis controlos policiais que ao longo do caminho nos vão desesperando o espírito e esvaziando a carteira.
Pelo menos em S. Domingos já se pode falar do Sporting do Porto ou do Benfica que todos sabem quem somos. Da viagem propriamente dita há tanto para contar que nem me atrevo aqui a enveredar pelas respectivas descrições. Aqui, vou-vos falar essencialmente do que nos une a todos, da Guiné, do Leste, do Xitole, de Cambessé, e de Bissau. Ficamos alojados num "resort" em João Landim, a Norte de Bissau não longe de uma das poucas pontes rodoviárias que existem na Guiné e que a UE lhes construiu. a Ponte de João Landim sobre o rio Mansoa.
Eram as instalações da logística dos construtores que quando terminaram a ponte as deixaram devolutas mas a funcionar. Um pequeno conjunto de edificios térreos e um espaço adjacente constituido por contentores climatizados e com água corrente.
Para Guiné não estava mal desde que o gerador funcionasse. Pelo preço não podiamos reclamar muito (diária 40,00 € em regime de 1/2 pensão... Claro que a primeira coisa a fazer era, depois de arrumarmos tudo, IR A BISSAU. E lá fomos, estrada abaixo em bom estado, muito movimento de viaturas, bicicletas e gente a pé a caminhar por ambos os lados da estrada.
Ficou-nos logo a primeira ideia de que a população tinha crescido imenso, especialmente gente jovem. Como viveriam, do que viveriam o que fariam mantinha-se a incógnita . Logo após a rotunda do Aeroporto muito perto do seu local inicial que bem conheciamos a estrada alarga-se em avenida de duas vias, mas o lixo, e as coisas partidas (candeeiros, separadores etc) não deixam que nos esqueçamos que estamos na Guiné.
O trânsito caótico de viaturas velhas (algumas parecem saidas de um dos nossos piores sucateiros) taxis azuis e amarelos mercedes velhos a cair e carrinhas peugeot 505 a desfazerem-se é uma visão que não se esquece depressa. Depois, as inumeras ruas laterias em terra batida cheias de construções em madeira alternadas com os enormes edificios murados das embaixadas da China ou da antiga União Soviética são contrastes enormes.
A coroar tudo isto há as gentes e mais gentes que ou fazendo da rua mercado ou a movimentarem-se como formigas desordenadas preenchem o colorido total desta avenida que termina na Mãe de Água. ( o depósito ainda lá está mas não sei se funciona). Bissau está há muito sem luz electrica, não tem iluminação publica pelo que os candeeiros publicos são meros ornamentos urbanos degradados e partidos a confirmar a desordem reinante. Em Bissau são pouquíssimas as ruas em estado aceitável de circulação.
Todas as laterais à antiga avª. do Império se encontra cheias de buracos e totalmente degradadas.
Á noite, a escuridão torna esta cidade como que saida de um filme de pesadelo, impera o calor, o mau cheiro, o ruido dos geradores das casas e os clarões dos faróis desalinhados das viaturas.
Apetece dizer Oh Bissau Bissau, quem te viu e quem te vê. A população à volta de Bissau dos bairros do Kelele ou Bandim ao Alto Crim passando pelo Cupilão cresceram desmesuradamente e para além das oferecidas pelas ONG internacionais que lá estão não há infra estruturas.
Está tudo por fazer, Tudo. É um drama enorme. Apesar de tudo Bissau possui hoje um pequena rede de infra-estruturas hoteleiras onde se destaca um Hotel 5 estrelas e o Hotel Azalai que fica nas antigas instalações do QG em Santa Luzia.
A pensão Coimbra da D. Berta, ali ao lado da Catedral continua a ser um ponto de visita obrigatória com o seu restaurante velhinho no 1º andar e a D. Berta continua a receber toda a gente com o seu resplandecente sorriso de ancião de mais de 80 anos (seguramente!) Sobre Bissau muito mais como compreeendem haveria a dizer mas por hoje fico-me por aqui. Seguir-se-ão (espero bem) mais cronicas, desta vez sobre a minha viagem a Bambadinca, Xitole, Saltinho e Cambessé Até sempre.
. Não se esqueçam do dia 31... vamos marcar todos presença na Pampilhosa.
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Álvaro Basto